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O francês que redescobriu o Brasil

Os números impressionam: 10 mil árvores, um hotel Rosewood com 150 quartos; um centro de convenções; um centro cultural com teatro e auditório para 1.500 pessoas; um estúdio de música; uma área gastronômica com 34 restaurantes; um mercado de produtos orgânicos; um campus para empreendimentos de tecnologia criativa; um centro de compras  com mais de 300 lojas; estacionamento subterrâneo de 1.500 vagas,  uma torre, criada por Jean Nouvel, com 93 metros, 25 pisos, oito subsolos, com 122 suítes e investimento de R$ 2 bilhões.

O maestro que lida com tantos números tem uma trajetória muito própria: nasceu nos Estados Unidos, de pais franceses; cresceu na África; conheceu o Brasil através de um convite de Chico Buarque e Toquinho; apaixonou-se por Salvador, onde se sente em casa e revitalizou algumas das mais emblemáticas marcas de luxo na França.

Recuperou patrimônios históricos nos Estados Unidos, na China, na Itália e no Marrocos. Bilionário aos 30 anos, Alexandre Allard quer celebrar a diversidade brasileira e criar uma usina de criatividade em São Paulo. Para o empresário, que enxerga 40 anos à frente, a capital paulista é uma Nova York que deu errado, mas que possui um potencial incrível, que ainda não foi descoberto pelo mundo.

E é por essa razão que ele investe todo o tempo no Cidade Matarazzo, a uma quadra da Avenida Paulista. Um espaço para celebrar a sustentabilidade, a tecnologia, a identidade brasileira, o potencial criativo, a diversidade com o savoir faire francês.

Les Cinq Sens: Luxo tem a ver com tradição?

Alexandre Allard: É preciso respeitar a alma do passado e honrá-la, mas oferecer à tradição também a oportunidade de um novo ciclo histórico. Minha trajetória tem sido marcada pela restauração de patrimônios emblemáticos em Paris, Roma, Londres, Miami e Marrocos preservando a memória dos edifícios, mas oferecendo um novo futuro.  Em 2006 trabalhamos na recuperação de Qianmen, um bairro situado no centro histórico de Pequim, classificado como patrimônio da Humanidade, em parceria com o arquiteto Christophe Dorey. Em São Paulo estamos trabalhando na reforma da Maternidade Condessa Filomena Matarazzo, ao lado da Avenida Paulista, cartão postal da maior cidade da América Latina. Graças à tecnologia conseguimos preservar essa construção histórica, inclusive mudando de lugar árvores centenárias imensas sem causar nenhum dano a elas, construir uma via subterrânea para carros, com um parque sobre ela, desafiando questões técnicas de infraestrutura e arquitetura. Não existe futuro sem passado.

LCS: Um desafio maior do que foi feito em Paris, com o Royal Monceau, não?

AA: Ah, sim. Em 26 de junho de 2008, nós reunimos convidados famosos no Royal Monceau para um evento artístico. Equipados com capacetes de construção e martelos, os convidados demoliram os quartos e corredores do hotel.  A performance foi acompanhada por 20 artistas, incluindo André, Chen Man, Wang du, Arne Quinze, Jean-Baptiste Mondino, Roberto Cabot, Xavier Veilhan, Philippe Perrin, Adel Abdessemed, John Nollet e Olympia Scary. A festa ganhou o Prêmio Cannes Lions e o Grande Prêmio Strategies de Melhor Evento de 2008.  Com a ajuda de Philippe Starck reformamos o empreendimento e o reabrimos em 2010. O hotel que até então estava relegado ao esquecimento, voltou a ser um ícone da hotelaria francesa de luxo. Foi eleito o melhor hotel da Europa, o melhor spa, o melhor restaurante segundo o guia Michelin, as revistas Forbes e Condé Nast Traveller e o selo Virtuoso. Também o novo Royal Monceau ostenta o título de Palace, conferido pela Atout France.  Nesse mesmo espírito, conseguimos revitalizar propriedades tradicionalíssimas em Paris como o Pourtalès e o The Penynsula.

LCS: Projetos até então utópicos, não?

AA: Desejamos mostrar que os sonhos e a utopia são possíveis. Tudo depende do espírito inovador. A criatividade é a máquina mais complexa e romântica que há. Meu objetivo com esses projetos e agora com o Cidade Matarazzo é redescobrir lugares que possuem uma força inexplorada, uma alma, uma energia que, quando bem utilizada, cria um valor fantástico. O luxo precisa inspirar e respirar beleza e emoção.

LCS: O luxo é emocional?

AA: O novo luxo é experencial.  Hoje as pessoas valorizam mais os momentos que as coisas. Vivemos uma época em que o materialismo passa por uma revisão histórica.  Esperamos receber, no Cidade Matarazzo, entre 30 mil e 100 mil pessoas por dia. Não só hóspedes ou clientes interessados em compras, mas também gente interessada em se divertir, passear, aprender, se inspirar. Teremos 34 restaurantes e o espaço cultural mais badalado da cidade, criado por Rudy Ricciotti. Teremos exposições, aulas de gastronomia, salas de concertos com 1.500 lugares. Mas nada de gueto. As manhãs, por exemplo, serão destinadas gratuitamente para as escolas públicas.

LCS: Quer dizer, a democratização do luxo?

AA: Eu vou mais além, é a democratização das emoções. Repito sempre que é uma sorte que emoções não são cotadas na bolsa.  É preciso criar espaços de vida e encontros.  Meu objetivo é transformar o Cidade Matarazzo em símbolo de São Paulo, uma cidade plural, que reconhece o quanto a diversidade gera riqueza.  Nesse sentido precisamos mudar a mentalidade dos mais ricos e garantir que atividades muito rentáveis possam também financiar aquelas que não são tão lucrativas, mas são importantes do ponto de vista humano, cultural e artístico. Quem frequentar o Cidade Matarazzo pode ter experiências únicas com dois euros, algo em torno de 5 reais, mas também poderá se hospedar nas incríveis suítes do Rosenwood ou gastar nas lojas de moda e cosméticos, com design exclusivo, e cujas vitrines são tão sedutoras quanto em Paris, Nova York ou Cingapura. Nesse sentido há, sim democratização do luxo, já que na contemplação da arquitetura, na cultura, nas artes é possível acessar os valores mais luxuosos da humanidade.

LCS: O senhor falou de diversidade. Ela é atributo do novo luxo?

AA: Há uma mudança sem precedente no mindset do consumidor. Hoje responsabilidade social e ambiental são compromissos essenciais assumidos por empresas, governos e pessoas físicas. No Cidade Matarazzo uma centenária arquitetura conviverá harmoniosamente com a obra de Jean Nouvel e Rudy Ricciotti e uma floresta urbana, permitindo que a biodiversidade invada o local. Queremos uma importante área verde em um dos bairros com maior densidade populacional do país. Nosso comércio orgânico será o maior de São Paulo, empregando moradores de rua e oferecendo a eles moradia e formação. Em parceria com ONGs e a prefeitura, criamos centenas de horas urbanas em espaços subutilizados da cidade. Do mesmo modo temos trabalhado com pequenos produtores locais compromissados com o meio ambiente usando pedras e madeiras de alta qualidade e durabilidade e forte relação com tribos indígenas que participaram do projeto como artesãos, tecelões, escultores e joalheiros.

LCS: Nesse sentido, é possível pensar em um comércio justo?

AA: Certamente. Veja o caso das grandes maisons francesas. O luxo também tem a ver com artesanalidade, com sabedorias ancestrais. Mas devemos fugir de visões binárias. Porque a tecnologia de ponta também é fundamental. Desenvolvemos uma parceria com a Farfetch para dar uma experiência de compra incrível para os consumidores do Cidade Matarazzo e ajudar as marcas a entender, através de um banco de dados avançado os gostos e comportamentos dos clientes. A robótica e a inteligência artificial são instrumentos que vão mudar sobremaneira as relações de consumo, mas também a produção de conhecimento. E se há quatro atributos que todo serviço e experiência de alto padrão tem é excelência, excepcionalidade, paixão e conhecimento. Tudo isso define o savoir faire francês.

 

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