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“Não” é estratégia, sim.

Há muito tempo acompanho os movimentos de Nizan Guanaes. Nem sempre concordo com suas falas e teorias, mas sua forma de ver o mundo não deixa de ser matéria prima para reflexão. Não só sobre o universo da comunicação e do consumo, áreas em que ele é um cardeal, mas também em política, macroeconomia e cultura.

Nizan vendeu seu grupo ABC, que incluía tesouros como a agência África, por 1 bilhão de reais para um gigante estadunidense em 2015. E hoje toca uma consultoria, com 4 pessoas, para clientes escolhidos a dedo, como o Magalu e Banco Itaú .  Para ele não ter custo fixo é ter liberdade. Como se vê, de bobo ele não tem nada.

Atualmente não mais se define como publicitário, mas um estrategista, não só de marcas , mas de vida. Lançou um livro, já best-seller, em parceria como psiquiatra Arthur Guerra. O título, provocativo , característica de Guanaes, é “Você aguenta ser feliz?” .

Sim, o livro mais do que uma obra que trata de saúde física e mental, no fundo fala sobre estratégia, sua nova paixão. No decorrer de minha vida, li muito sobre planejamento estratégico. Esse foi o tema de meu TCC nos anos 1990, quando me formei em administração.  Há clássicos gregos até gurus contemporâneos norte-americanos. Trata-se de um assunto essencial. Volta e meia, alguém resgata obras militares, como A arte da guerra, que imediatamente entra na lista de leituras de CEOs de todo o mundo. E não tenho dúvidas, nas entrelinhas há muito saber, colhido em Harvard onde ele estuda hoje, mas também no decorrer de sua trajetória, iniciada na Bahia e prosseguida em São Paulo e Cannes.

Nizan, com seu poder de síntese – afinal publicitário precisa dizer tudo de um produto em uma página de revista ou em um comercial de 30 segundos- resume estratégia com a inteligência de dizer não. Simples assim. Uma vez que você tem seus valores claros e objetivos bem definidos, é preciso dizer não a tudo o que te tira do caminho, do eixo e da consciência limpa.

Leonardo da Vinci, outro sujeito que admiro, dizia algo como “ a simplicidade é o último grau da sofisticação”. E sofisticação é algo extremamente penoso de se conseguir. Assim como é uma tarefa olímpica dizer “não”.  Seja no âmbito pessoal, mas sobretudo no universo empresarial em que forças antagônicas e dúvidas sobre futuro e economia nos desafiam todo o tempo.

Dizer “não” é estratégia. É manter-se no seu lugar de potência e não cair nas armadilhas da concorrência e dos clientes. Daí que pela primeira vez na história, as expressões funções operacionais, gerenciais e estratégicas deixam de fazer sentido. Um colaborador precisa ser estratégico e saber dizer “não” quando o sim coloca em risco a existência de uma empresa. Passamos décadas ouvindo que é preciso encantar cliente. Mas hoje se percebe, do lugar de fala do revenue manager que é preciso demitir clientes. A expressão parece forte? Então vamos usar o eufemismo. É preciso ter foco, segmentar o mercado.

Luxo é estratégia. No turismo de luxo, mas do que em qualquer outro segmento, dizer “não” é fundamental. Dizer “não” no momento de perder a excelência para reduzir custos. Dizer “nã”o a pressão na redução da tarifa. Dizer “não” para modismos. Dizer “não” para o pessimismo e pressão diante dos seus valores individuais e coletivos. A Delvaux é um exemplo disso. Se mantém intacta a pressões mercadológicas.

Dizer “não” pode ser visto como política de sustentabilidade e engajamento. Já passou da hora de dizer “não” para colaboradores tóxicos, ainda que tecnicamente competentes. De repetir “não” para facilidades que comprometem a ética empresarial. Diga tranquilamente “não” para receita de curto prazo que sacrifique a sua visão de futuro. E, não se esqueça de dizer “não” para um passado que não faz mais sentido.

O “não”, dizem os psicanalistas pode ser educativo e libertador. Mas pode, ouso afirmar, ser muito lucrativo.  A hotelaria tem criado departamento de rentabilidade, uma estrutura separada da área de vendas, da controladoria e do revenue management. Uma nova leva de profissionais são contratados para avaliar quais operações, clientes e campanhas são rentáveis. É perceber que ter 10 clientes de 1000 reais e 1 cliente de 10 mil reais não é a mesma coisa. E a indústria luxo sabe disso.

Mas nem todo mundo nasceu para o luxo. E não há problemas nisso. Há bilionários que só trabalham com o consumidor das classes C e D. Ter essa consciência é ter lugar de potência. E defender esse lugar de potência é ter estratégia. Mesmo não atuando no segmento de alto padrão, é desse universo que saem as tendências, o design, a inspiração para demais setores.  Nesse sentido, as empresas podem se sentir mais livres em só dizer sim quando propósitos e objetivos não estão em risco.

Como diz Nizan: Diga não para jogar xadrez contra o campeão  desse esporte. Ao contrário, convide-o para o jogo que você domina.

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