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Fashion Law: Entrevista com André Mendes

Coco Chanel dizia que ao inspirar outros estilistas, ela consolidava seu estilo. No entanto, a criadora francesa considerava a cópia o recurso dos fracassados. As grandes marcas têm hoje um inimigo muito pior que os impostos: a pirataria. No mundo da moda, principalmente na época dos grandes conglomerados e aquisições milionárias, advogados são tão importantes quanto os diretores criativos. Um exemplo? As disputas entre os grupos LVMH e Kering na compra de grandes maisons francesas envolveram milhões de euros. Por pouco, Bernard Arnault não controlou a tradicionalíssima Hermès. Os grandes escritórios de advocacia franceses é que deram uma solução para o imbróglio.

Não há como desconsiderar a fashion law no mercado de alto padrão. Aos 42 anos, André Mendes Espírito Santo Modenesi foi pioneiro no Brasil e um dos principais nomes do setor. Sócio fundador e diretor-executivo do Fashion Business & Law Institute – BR (Instituto Brasileiro de Negócios e Direito da Moda), foi coordenador do curso de Fashion Law do Programa de Pós-Graduação lato sensu da Fundação Getúlio Vargas (FGV Direito SP) e assessora grandes empresas do segmento. Mestre e graduado em direito pela PUC-SP é hoje sócio coordenador da área de Fashion Law da L.O. Baptista, que há 50 anos atua em direito empresarial.

Les Cinq Sens: Você foi um dos pioneiros no Brasil a estudar e falar sobre Fashion Law. Como você analisa a evolução do setor no Brasil, nesses últimos anos?

Mendes: É incrível imaginar que já se passaram mais de dez anos desde que, pela primeira vez, se falou sobre Fashion Law aqui no Brasil. De fato, eu e meu escritório, L.O. Baptista Advogados, fomos os primeiros que, de forma estruturada, passamos a oferecer serviços jurídicos sofisticados para empresas do setor de moda.

De lá para cá, muitos cursos foram criados, foram fundados também institutos, como o Fashiow Business in Law Institute, Instituto Brasileiro de Negócios e Direito da Moda, muitas pessoas se interessaram em estudar as questões estratégicas de Fashiow Law, outros escritórios copiaram o nosso modelo e passaram a oferecer também serviços customizados, de forma que realmente foi um case de sucesso.

A indústria da moda abraçou o Fashiow Law como uma área do direito que pode realmente oferecer serviços jurídicos estratégicos para o setor. É claro que, passados esses dez anos, a área sofre um pouco, porque o próprio setor de moda também está atravessando um momento delicado. Tivemos momentos pujantes da economia, com formação de grandes grupos econômicos de moda, empresas internacionais investindo muito no Brasil, e também tivemos momentos muito difíceis, com desafios muito grandes, como o que estamos atravessando agora.

Seja ainda por consequência da crise em decorrência da pandemia da Covid-19, ou até por uma questão econômica, no Brasil não conseguimos voltar aos patamares de venda de varejo de anos anteriores à pandemia. Mas, em geral, o balanço do Fashiow Law desses últimos dez anos é positivo, a área se consolidou e cresceu muito.

LCS: Recentemente a Chanel e Saint Laurent se uniram para combater a pirataria. Essa continua sendo o maior desafio dos advogados do setor?

Mendes: Com certeza as questões de pirataria, falsificação e contrafação, utilizando o termo técnico legal da Lei de Propriedade Industrial, continuam no centro dos desafios na indústria da moda, das grifes de luxo, enfim, da moda criativa em geral. Não é fácil porque a própria pirataria se sofisticou nos últimos anos. Antigamente se fazia falsificações ou piratarias grosseiras e hoje em dia elas estão mais elaboradas, então esta questão continua sendo um dos maiores desafios de todos os agentes da moda: criadores, empresas, investidores e advogados.

O direito possui instrumentos para tentar combater esses crimes, o problema é que é muito difícil coibir a pirataria, em especial no ambiente digital, principalmente no mercado pós-pandemia. O comércio eletrônico tem o lado bom, que propicia que um número maior de pessoas conheça e consuma a marca, mas também tem o lado ruim que permite que produtos falsificados ou piratas estejam acessíveis a um número maior de consumidores. Então, sim, a questão da pirataria continua sendo um grande problema, não só aqui no Brasil, como em outros mercados do mundo.

LCS: Que medidas seriam necessárias para tornar o combate à falsificação mais eficaz?

Mendes: As empresas do mercado de luxo têm investido em tecnologia, por exemplo, colocando chips nos seus produtos e contratado empresas especializadas para rastrear os produtos falsificados. A grande questão é que existem alguns mercados, como a China, por exemplo, em que empresas fazem o produto original, autêntico, durante o dia, e que produzem o falso à noite. A qualidade da falsificação está muito sofisticada, então é difícil elencar medidas muito precisas e objetivas, mas o que as empresas têm feito é investir em investigação e fiscalização.

LCS: É real a diferença que fazem entre produto falsificado, inspirado e réplica?

Mendes: Há uma certa atecnia no senso comum com relação à definição desses conceitos. Falsificação e pirataria, e falsificação e réplica, são termos com conceitos muito semelhantes. Não é correto dizer que uma réplica não é uma falsificação. Uma réplica, tal como a falsificação e a pirataria, são produtos feitos sem autorização do titular da marca, ou seja, sem autenticidade. Então, não é verdade que uma réplica não é um produto falso, ela é, sim.

Já a inspiração parte de um outro conceito: você pode produzir, criar um produto de moda – um vestido, uma bolsa, um acessório inspirado numa outra ideia, numa outra bolsa, num outro acessório -, mas é preciso agregar valor àquele produto que foi criado.

A moda trabalha com conceito de inspiração, com o conceito de que nada é criado 100% do zero. Mas se inspirar não significa copiar. Pelo contrário, pode-se ter aquele produto como referência, mas cria-se um produto que tenha características novas, diferentes, que tenha legitimidade, autenticidade.

Então falsificação, inspiração e réplica são questões diferentes. A réplica pode até ser colocada como sinônimo de falsificação e pirataria, já a inspiração tem um conceito diferente.

LCS: Cada vez mais marcas brasileiras querem se internacionalizar. Que cuidados jurídicos devem tomar?

Mendes: Um dos principais cuidados é com relação aos contratos que vão ser firmados com os parceiros internacionais. Muitas marcas acabam querendo fazer o processo de internacionalização, mas esquecem desse cuidado muito importante que são os contratos bem-feitos, bem amarrados, que reflitam a legislação internacional e a legislação local no país em que o contrato será executado.

O segundo cuidado é o conhecimento da legislação. É importante que a marca ou a empresa que queira se internacionalizar tenha, no local de destino, pessoas que conheçam muito bem a legislação do lugar. Sejam elas de cunho fiscal, tributário, trabalhista, contratual, para que não aconteçam surpresas no meio do caminho.

Uma outra preocupação com relação à internacionalização é a escolha dos parceiros corretos que vão desenvolver o produto, a marca, naquele país.

LCS: Acredito que a moda, como demais segmentos de mercado, sofre com questões tributárias. Que saídas você enxerga para destravar crescimento e marcas brasileiras ganharem maior competitividade?

Mendes: A tributação é um dos maiores gargalos para o crescimento e aumento da competitividade das empresas que desenvolvem atividades produtivas no Brasil.  Embora isto seja verdade para todos os segmentos, no mercado da moda este fato torna-se ainda mais acentuado em vista da elevada tributação incidente sobre o consumo, em especial o ICMS (imposto estadual sobre vendas).

A simplificação do sistema tributário brasileiro sempre foi vista como um dos fatores que certamente tornariam a indústria brasileira da moda mais competitiva.  Propostas de reforma tributária foram trazidas à mesa para discussão no Congresso Nacional no decorrer dos últimos anos, porém acabaram não avançando em vista da dificuldade de se criar consensos para unificar as incidências tributárias indiretas federais (PIS, COFINS e IPI), estadual (ICMS), e municipal (ISS).  Infelizmente, não existe perspectiva concreta de aprovação de propostas com essa envergadura em ano eleitoral.

A despeito disto, enquanto uma reforma estruturante não avança, no âmbito tributário enxergamos a necessidade de se concederem incentivos fiscais setoriais para estimular a implantação, crescimento e fortalecimento das indústrias e marcas brasileiras, de modo que o produto nacional da moda possa competir em melhores condições de preços em um cenário global.

LCS: Qual o caminho que um estudante de direito deve seguir para atuar com direito e moda?

Mendes: O estudante de direito tem que, primeiramente, gostar das matérias jurídicas que afetam diretamente esse mercado, como, por exemplo, propriedade intelectual. Estudar bastante a lei de propriedade industrial, saber quais são os mecanismos que o direito brasileiro possui para defender negócios de moda, ter interesse pelo mercado, ler bastante sobre as cadeias produtivas, as cadeias têxteis, quais são os principais problemas do setor.

Fashiow Law é uma área multifacetada, interdisciplinar. Não basta apenas o aluno se interessar por propriedade industrial, intelectual, ele tem que também ter interesse nessas outras áreas do direito que vão compor uma assessoria jurídica adequada para as empresas. Além disso, é importante estudar o mercado de moda como um todo: desde pequenas empresas, confecções, passando por empresas de middle market, grifes de luxo, enfim, todo tipo de empresa que compõe o chamado mercado da moda.

Contato André Mendes Espírito Santo

ams@baptista.com.br

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