Mercado

Sustentabilidade não é tempero nem ponto de exclamação

Não é de hoje que vemos muitas empresas, marcas, influenciadores e hoteleiros comunicando sobre seus projetos e suas propostas de sustentabilidade.

A palavra tornou-se aquele “agregar valor” que abolimos de nossos textos. De fato, você aplica a sustentabilidade em seu propósito ou acha que somente por fazer reúso de água, reciclar seu lixo e lavar as toalhas de seu hotel com menos frequência já te fazem um ator de amplitude a ponto de comunicar essas ações sem se aperceber que se trabalha com o “luxo”, isso é o mínimo, o óbvio, e colocar essas ações num megafone chega a ser deselegante e vulgar.

As bases da sustentabilidade num âmbito maior incluem até mesmo a forma como você se alimenta e se veste. Sem o social, o ambiental e o econômico integrados, a sustentabilidade não se sustenta e percebe-se que ao invés de utilizar-se de pilares, você está se utilizando de uma muleta, cuja serventia acaba por banalizar a sustentabilidade, e em função de sua complexidade, amplia-se cada vez mais a distância da eficácia prática de políticas ambientais e de desenvolvimento.

Uma coordenação de comunicação precisa estar atenta no sentido de verificar a legitimidade e a procedência das informações e reduzir o espaço das propagandas e o volume de conteúdos que possam desgastar o tema ou confundir consumidores e clientes. A comunicação repleta de vazios exacerbando ações que deveriam ser normatizadas cria um resíduo enorme de conteúdo sem nenhuma utilidade e que podem se tornar tóxicos, como o são, de fato, os resíduos industriais.

Quer um exemplo de confusão diferente, mas muito semelhante? O conceito de justiça social e assistencialismo/caridade. Uma pessoa faz caridade, promover eventos de arrecadação para os mais vulneráveis, mas se incomoda quando determinadas camadas da sociedade têm ascensão social. Outra provocação para reflexão: quando estou sendo exclusivo estou sendo excludente?

Complexo. Sim. É, sem dúvida, um exercício muito difícil sair dessa zona de conforto e mudar hábitos. Eu recentemente consegui vencer o desejo de comer polvo que era uma das iguarias que eu amava. Ultimamente fico pensando em como foram manuseados e qual a procedência dos animais triturados dentro do saco de ração que a minha cachorra consome e que ficam empilhados em prateleiras como animais em um açougue.

Qual o conforto de colocar a sua cabeça em penas de ganso ou o que imagina um decorador que coloca uma reprodução de uma tela de Debret num quarto de hotel onde um homem negro é chicoteado? Adoro cristais, mas como é feito esse extrativismo? Qual a procedência das pedras das joias que compramos? Você defende os povos originários? Então…

Por outro lado, você sabia que o mercado de luxo é um dos maiores mantenedores de profissões artesanais bem remuneradas como produtores rurais, sapateiros, cuteleiros, ferreiros, bordadeiras e ourives?

Ailton Krenak, pensador brasileiro, cita em seu livro “Ideias para adiar o fim do mundo” (Ed. Companhia das Letras): “…dilema em que parece que a única possibilidade para que comunidades humanas continuem a existir é à custa da exaustão de todas as outras partes da vida”.

A comunicação é uma disciplina que deve ser aplicada com bom senso. O imediatismo em criar conteúdo e espalhar pelas redes sociais já nos deu um dos piores exemplos de nossa história política e iremos demorar anos para recuperar os estragos. Então pense bem quando for usar a palavra sustentabilidade em sua comunicação. Esse termo não é tempero para a sua receita de sucesso e engajamento. Deveria, sim, servir como uma análise de superação de nossas incapacidades em entender a nossa relação com o Genius Loci, ou seja, o espírito do lugar. Somos um organismo vivo e certos órgãos já estão em coma, como nossos rios, sociedades em estado de exclusão, guerras. Poder, segurança e consumo. Tudo relacionado como dedos entrelaçados. Como a preparação do prato que vai lhe alimentar. Minha avó Iracy dizia: “Amizade é um prato onde todo mundo come junto”. Diria eu que a humanidade também deveria se servir dessa expressão e questionar como Krenak em seu livro “…sustentável pra quem?”.

Quero crer, e existem bons profissionais fazendo isso, que essa comunicação equivocada beirando a vulgaridade não sirva simplesmente para uma autoilusão e likes. Comunicação é uma coisa. Inventar parábolas ou tomar o termo como uma vaidade coorporativa é outra bem diferente.

* Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Les Cinq Sens.

Veja também:

You may also like