Mercado

Entrevista com Priscila Monteiro

Priscila Monteiro é uma das executivas de comunicação mais reconhecidas do mercado de luxo, com uma agenda repleta de contatos importantes no Brasil, na Europa, no México, Argentina, Colômbia, Chile e Peru. Seus -quase- 20 anos em multinacionais foram em grandes conglomerados como LVMH (Louis Vuitton, Christian Dior Couture, Christian Dior Parfums) e L´Oréal (Lancôme, Giorgio Armani Parfums, Ralph Lauren Fragrances, Kérastase, Redken). A expertise em storytelling e o domínio dos territórios de moda e beleza vêm de sua experiência como jornalista. A executiva também foi editora feminina do Jornal do Brasil e do jornal O Dia. Pesquisadora incansável, é pós-graduada em História da Moda, pela Universidade Estácio, e seu interesse em construção de marca e reputação a conduziu uma outra pós-graduação, desta vez em Comunicação Corporativa na ESPM.

Nesta entrevista, Priscila fala sobre o legado das grandes marcas francesas, os mitos em torno da alta costura, perspectivas de mercado e o “made in brasil”.

Les Cinq Sens: Você dirigiu aqui no Brasil a área de relações públicas de uma das mais tradicionais maisons de luxo da França, a Dior. Quando se fala em gerenciamento de marcas de luxo, o que os franceses têm a ensinar para o mundo?

Priscila Monteiro: Duas palavras que são repetidas continuamente nas maisons de luxo representam pilares importantes para o que entendemos como luxo: savoir-faire e heritage (saber fazer e herança, em tradução livre). Por savoir-faire (‘know-how’ em inglês) podemos englobar tudo relativo à maestria daquele métier. Por exemplo: as costureiras de uma casa de Alta Costura, chamadas ‘petit-mains’ (‘pequenas mãos’) são extremamente valorizadas por terem o domínio técnico necessário para trazer à vida as criações desafiadoras dos diretores de criação. Há um esforço enorme na transmissão deste conhecimento e uma grande admiração pelo trabalho realizado, fruto de muito talento, paciência e dedicação. A segunda palavra, ‘heritage’, designa toda a história da maison, seus símbolos, tudo aquilo que é só dela. Estes ícones se tornam o ponto de partida para inúmeras interpretações. Na Louis Vuitton, por exemplo, o baú e o conceito de viagem permeiam grande parte das criações, enquanto na Dior veremos muito sobre superstição, já que era algo próprio de Christian Dior. Ele amava o número 8, e é por isso que este símbolo aparece em diversas coisas. A Rosa dos Ventos – que inclusive é o nome de uma linha de joias, a Rose des Vents – vem do chão de sua casa de infância, em Granville, e por aí vai. Voltando à pergunta, percebo que as marcas de luxo investem para que todos os seus funcionários saibam da história e compartilhem o ‘story-telling’ com os clientes, além de valorizar o savoir-faire, de forma que fique claro o que há por trás de uma peça de alto valor. 

LCS: O setor de beleza vem apresentando crescimento mundial muito superior ao da indústria da moda. Na sua opinião cosméticos vão ser o core business das grandes maisons em futuro próximo?

PM: Uma vez eu vi a diretora de Alta Costura da Dior perder a paciência quando um jornalista lhe perguntou se o setor dela era apenas para criar belas imagens e vender cosméticos. A verdade é que, por mais que seja um laboratório criativo e que haja poucas clientes de roupas sob medida de luxo no mundo, todos os departamentos precisam ser rentáveis. É claro que os cosméticos, por seu valor mais democrático (se é que podemos dizer isso), atingem mais pessoas, mas também exigem alto investimento em marketing, publicidade, campanhas, porta-vozes etc. Por outro lado, bolsas são itens com uma margem de contribuição altíssima, sendo extremamente lucrativas. Por isso todas as grifes querem ter bolsas de sucesso. Eu, honestamente, acho que são dois businesses separados, com dinâmicas próprias. Nenhum top management vai perdoar um baixo rendimento da moda só porque a beleza está indo bem, ou vice-versa. E não podemos esquecer que diversas empresas de cosméticos nem moda têm, como Lancôme, Sisley, Caudalie e outras. 

LCS: Nesse sentido, uma marca de roupas aqui no Brasil, precisa pensar em seu business plan em ter, ao menos a médio prazo, parceria com marcas de beleza?

PM: Eu acho que as marcas precisam ter um território próprio, um DNA reconhecível, algo que as diferencie das outras. O métier de beleza é muito diferente do da moda, por mais que o storytelling possa ter a mesma fonte. Pensemos em matéria-prima, pontos de venda, equipe de promoção, vendas on-line, atendimento ao consumidor, possíveis crises de imagem e tantos outros pontos que diferenciam as indústrias da moda e da beleza. Por exemplo, uma roupa dificilmente causará alergia na pele de alguém como um creme de tratamento poderia fazer. Enfim, são dois territórios diferentes e a marca de moda precisa estar bem segura e assessorada por pessoas capacitadas para conseguir ter sucesso nesta empreitada. 

LCS: As redes sociais dissolveram fronteiras. No passado, assessores de imprensa lidavam com jornalistas de seus mercados. Hoje influenciadoras de moda falam com audiência no mundo inteiro. Como RP’s lidam com essa situação?

PM: Eu me lembro quando assumi a área de Relações Públicas da Dior, em 2013, e tentei trabalhar com influenciadores. Ouvi da diretora mundial que a Dior não trabalha com ‘bloggers’, como eram conhecidos na época. Meu ímpeto foi responder que achava que não havia escolha, mas obviamente acatei as diretrizes. Não precisei esperar muito, pois no ano seguinte a marca já abriria seu departamento de Digital, e fui uma ‘early adopter’ pois já tinha todo um plano desenhado e consegui convidar para os desfiles influenciadores como Helena Bordon, Lalá Rudge, Kadu Dantas, Thassia Naves e inclusive Camila Coelho, que era rotulada como ‘beauty’ e nunca havia sido convidada por uma grife internacional de moda. Camila é até hoje uma amiga muito especial da Maison Dior, mostrando agradecimento pela marca que lhe abriu as portas para a moda internacional. É claro que a imprensa teve resistência ao que foi interpretado como concorrência, e os RPs mais hábeis souberam conciliar os dois públicos com a mesma deferência. Eu vejo com tristeza as marcas que privilegiam os influenciadores em detrimento da imprensa, pois considero uma visão estreita da comunicação. Por que deveríamos escolher? É tão mais rico trabalhar em todas as frentes! São dois mundos complementares, e, na minha opinião, o RP precisa entender as necessidades de cada um para conseguir os melhores resultados para a sua marca em todos os campos.

LCS: No ano passado você montou sua agência de comunicação. Como foi empreender no meio da pandemia?

PM: Já havíamos vivido um ano de pandemia quando abri a minha agência, em abril de 2021, dois meses após a minha saída da Dior. A pandemia mostrou ser possível garantir efetividade na comunicação 100% on-line. Foi um período de muito aprendizado! Na parte de beleza, realizamos inúmeros eventos digitais e fizemos treinamento para que os porta-vozes da marca na América Latina pudessem ser instrumentos de comunicação e interação com influenciadores, para lives, tutoriais e outras ativações. Na parte de moda, tivemos desfiles digitais e outras iniciativas. Tudo isso me mostrou que seria possível empreender mesmo sem ter um escritório físico e coordenando uma equipe remotamente. Entrevistei e contratei a minha primeira funcionária pelo Google Meet, e ela nem morava em São Paulo! Quando nos conhecemos pessoalmente, parecia que já éramos íntimas. Hoje tenho uma equipe de sete pessoas e nos encontramos em dias alternados no escritório, nos Jardins. O sistema híbrido é algo em que acredito muito. É ótimo poder trabalhar de casa e ter flexibilidade de horário, assim como é importante interagir pessoalmente com a equipe, criando empatia e sentido de cooperação. O esquema híbrido nos permite ter o melhor dos dois mundos. Sou muito grata às marcas que acreditaram na minha empreitada e dou o meu melhor para corresponder a esta confiança. 

LCS: Qual o foco da sua empresa?

PM: Na Agência Priscila Monteiro faço o que eu sempre fiz nas empresas por onde passei após o meu início como editora de Moda do Jornal do Brasil, quando fui para a comunicação corporativa e me tornei relações-públicas da L´Oréal Division Luxe, Louis Vuitton América Latina e Dior Moda e Beleza América Latina. A agência cuida do relacionamento com os públicos de interesse de marcas dos segmentos de moda, beleza e lifestyle, como Dom Pérignon, Carolina Herrera, Tory Burch, Michael Kors, Lilly Sarti, Biossance, KVD Beauty, Care Natural Beauty e outras. Uma segunda empresa está nascendo agora, a WOW Connect, para agenciar influenciadores e creators, onde tenho como sócias as experts Clarissa Wagner e Juliana Passos. Em breve teremos muitas novidades neste campo.

LCS: Há um movimento muito bonito nesse momento de valorizar a brasilidade, com foco, inclusive, nos artistas e designers do Nordeste. Você está muito empenhada nisso. O que essas marcas devem fazer para ganhar o mundo?

PM: As marcas de luxo internacionais valorizam o savoir-faire e é este o segredo para que as marcas nacionais se destaquem. Quando a Daniela Falcão, ex-CEO da Condé Nast, criou o Nordestesse, estava justamente demonstrando a força deste saber ancestral e como estas criações merecem ganhar visibilidade e ter sucesso comercial. Recentemente fui ao desfile do Ateliê Mão de Mãe, no São Paulo Fashion Week, e fiquei emocionada com o filme de abertura, em que uma artesã contava sobre o trabalho manual do crochê. A história por trás das peças precisa ser contada, senão o produto vira uma ‘commodity’ e a audiência não percebe seu valor. Entretanto, o artesanato precisa ser elevado por uma visão de moda, fazendo com que este saber-fazer resulte em coleções contemporâneas e desejáveis.

LCS: Você é estrategista de marcas. Como trabalhar a sustentabilidade na construção de reputação sem parecer greenwashing?

PM: Eu brinco que no departamento de Comunicação não trabalhamos com mágica. A verdade precisa vir da própria marca. Podemos, sim, chamar a atenção para quesitos que podem representar um risco de imagem – o famoso ‘esqueleto no armário – mas nada disso dará certo se o top management da empresa não estiver imbuído da missão de ter a sustentabilidade como pilar permeando toda a organização. Mesmo no passado, quando não havia mídias sociais, não era possível controlar totalmente a mensagem e ter um discurso da porta para fora. Em algum momento, a contradição seria exposta. Hoje, com o poder de voz dado à audiência, isso ficou ainda mais exacerbado. A marca precisa ‘walk the talk’, ou seja, ter coerência entre seu discurso e suas ações, pois está sob um escrutínio público permanente.

LCS: Há um certo retorno à normalidade pré-pandemia. Você acha que há espaço para grandes desfiles ainda ou os eventos vão ficar cada vez mais segmentados com experiências muito customizadas?

PM: Voltamos à convivência sem máscaras, mas na minha opinião isso não significa uma volta ao que éramos pré-pandemia. Lá no fundo, em nosso íntimo, todos nós fomos transformados, e isso se estende às marcas. O mundo aprendeu a se adaptar ao digital na marra, mas também ficou claro o quanto amamos o encontro físico. As marcas hoje têm um leque maior de opções para se conectar ao consumidor final. Grandes dogmas caíram por terra, mas ao mesmo tempo ficou claro que algumas tradições, como as semanas de moda, são importantes para reger o mercado, e mesmo grifes que haviam ameaçado seguir com apresentações independentes voltaram atrás e anunciaram o retorno ao calendário oficial. Acho que uma mudança de chave significativa foi em relação ao cliente final. Formadores de opinião, como imprensa e influenciadores, continuam importantes, mas as marcas tendem hoje a valorizar experiências e oportunidades com seus consumidores, que são, no final das contas, o elo essencial para o sucesso do negócio. 

Instagram: @agenciapriscilamonteiro

Veja também:

You may also like