Mercado

O mercado de luxo hoje – com Carlos Ferreirinha



O Brasil exporta executivos. Mulheres e homens de negócios forjados em nosso país lidam bem com crises, sabem negociar e gerenciar equipes. São procurados por headhunters de todo globo por não terem medo da palavra crise. Mas o Brasil, por outro lado, tem poucos pensadores. Assim como cientistas e pesquisadores. Gente que observa e reflete sobre a realidade produzindo conhecimento. Somos um país com muitos graduados e poucos doutores. Talvez porque produzir conhecimento exige vivência, repertório, talento, muita inteligência e coragem. Sim, audácia para falar o que precisa ser dito, sem medo de desagradar. Porque o compromisso do sábio é com excelência. E de excelência, Carlos Ferreirinha entende. Esse grande executivo – liderou a Louis Vuitton na América Latina; empreendedor visionário – fundou a Bento Store; professor requisitado – responsável pelo primeiro MBA de gestão de luxo na Faap é pensador do universo do luxo.
Não só do luxo em suas manifestações mais comuns. Mas da excelência em produtos e serviços nos mais diversos segmentos do mercado. Empresas nacionais e estrangeiras buscam sua consultoria e treinamentos para ganhar vantagem competitiva. Para ingressar no mercado internacional que não aceita nada menos que perfeição.
Cada entrevista de Ferreirinha é uma aula de estratégia, branding, gestão e economia. Deve ser lida por gestores de bens e serviços de todos os segmentos e mercados e homens públicos.


Les Cinq Sens: Recentemente você deu uma entrevista em que dizia: “As vendas dos produtos de luxo no Brasil vão bem. Mas as operações não são lucrativas.” Além da questão tributária, qual o grande problema dos negócios de alto padrão no Brasil? O que faz as operações serem deficitárias?


Carlos Ferreirinha: Eu tenho o costume de dizer para grupos, marcas e executivos internacionais que o Brasil demanda uma reflexão difícil e ao mesmo tempo muito importante: a decisão entre “to do business and to do money”. Ambos, ao mesmo tempo, ou seja, fazer negócios e ganhar dinheiro, será muito difícil.
São muitos os desafios e os obstáculos. E não somente no luxo ou para a atividade do luxo. É importante termos claro que operações como Citibank, HSBC, Fnac, Nike e tantas outras, desistiram de operar no Brasil. Somos um país muito oneroso. E não se trata apenas de custos tributários. É o “Custo Brasil” na complexidade, na burocracia extrema, na violência que gera a necessidade de custos extras de segurança nas lojas e nos transportes de cargas, apólices de seguros. Que se manifesta na mudança de regras continuamente nos processos, alteração das classificações contábeis, na variação extrema contínua e sem lógica no incremento de impostos. O Brasil aplica imposto na produção e no consumo. E no custo do 13º salário, no dissídio, na ajuda do vale-transporte, no vale-refeição, no plano de saúde, no plano odontológico. E tudo isso com algo ainda mais crítico:  a ausência da estabilidade no longo prazo. As operações internacionais, de forma geral, não conseguem lidar com a não previsibilidade mínima da carga tributária, da variação cambial. Corremos sempre no Brasil o risco de colocar um pedido de uma compra internacional no dólar de 4 reais, momento dos trâmites da importação o dólar chega em 5 reais e no momento da desembaração, chega em 6 reais. É surreal. Desgastante. Recentemente, nesses últimos meses de 2022, surgiu um decreto de última hora, do aumento de ICMS para a compra de vinho a ser servido em restaurantes, de 7% para 25%. É uma luta injusta, onerosa com advogados tributários.
Ou seja, vender não é o problema no Brasil. Seja produto, serviço. Mas gerar resultado financeiro na linha final é difícil.


LCS: Você é o pioneiro e principal nome quando se pensa em gestão de empresas que vendem produtos premium e de luxo. A qualificação das equipes é um problema mundial. Como resolver a questão da mão de obra no país? Você criou o MBA de Luxo na FAAP. Como você observa a evolução do setor, nesse aspecto nos últimos anos?


CF: São muitas reflexões aqui. Muito além de respostas apenas.
Possivelmente o primeiro ponto a ser considerado, é que eu venho de São Gonçalo – Rio de Janeiro, de uma educação fundamental básica e simples e, alcancei a posição de Diretor Executivo de Marketing e Novos Negócios da EDS, Embaixador Internacional da EDS atuando nos EUA, Executivo da Louis Vuitton no Caribe e América Latina e CEO da Louis Vuitton Brasil… Ou seja, é possível.
Temos uma crônica dificuldade com mão-de-obra no Brasil. E não se trata da qualidade das pessoas. Ao contrário. O brasileiro gosta de pessoas, cuida de pessoas quando tem a oportunidade, tem sorrisos espontâneos. Temos severos e profundos problemas com educação de base. Dificuldades de transportes que levam pessoas a terem horas e horas para chegarem e saírem do trabalho, tornando tudo muito desgastante. O empresariado brasileiro treina pouco. A cultura brasileira é de informalidade, que muitas vezes se confunde com intimidade. Não há receita mágica. É treinar, treinar, treinar e quando achar que está bom, volte a treinar, treinar, treinar. É desgastante, mas necessário e inevitável. Não considero que MBA seja solução para qualificação de mão-de-obra. Ao contrário. Até acho que muitos MBAs no Brasil há muitos anos já não são um Master Business of Administration e sim, cursos de extensão, muitas vezes admitindo recém-formados em um curso de Master Gestão. Temos, enquanto empresas e marcas, que assumir a liderança na transformação das pessoas, na qualificação, na educação. Pessoas precisam de pessoas.


LCS: França e Itália são reconhecidas como berços da indústria de luxo, com histórico de 4 séculos. No entanto, a Coréia do Sul, por exemplo, conseguiu mostrar seu potencial nesse segmento, em menos de 50 anos. O que ela tem que o Brasil não tem?


CF: Disciplina, rigor, consistência, persistência no longo prazo, e não fazer concessões. O Brasil é um país de expectativas, de resultados no curto prazo e altamente viciado no mercado doméstico de 210 milhões de pessoas. É importante ter claro que não se trata apenas do luxo e, sim, de marcas brasileiras como um todo. Quando olhamos para competitividade internacional, somos, o Brasil, os maiores produtores e exportadores de laranja no mundo e não há sequer uma marca brasileira de sucos em destaque no mundo. O mesmo acontece com o café. Somos os maiores produtores e o maiores exportadores e não há marca de café e nem conceito de cafeteria brasileira no mundo. O mesmo acontece na lingerie, na moda praia com relevância – somos o país que exporta o lifestyle de moda praia. E tantos outros segmentos. Competitividade internacional demanda tempo, investimento contínuo, paciência estratégica de longo prazo, consistência e ritmo. Elementos contrários às características culturais brasileiras de se fazer negócios. Há ainda o fato de que o Brasil foi desindustrializado nos últimos anos, o que gera um cenário complexo, o Custo Brasil, ou seja, são muitos obstáculos.

LCS: Quem deveria organizar uma política de branding para o “Made in Brazil”?


CF: O Brasil tem que ter a coragem e a disciplina de criar uma identidade imagética e de símbolos do Brasil que não mudam a cada governo novo; isso não faz sentido. É preciso deixar de ser branding marca para ser branding estratégico, marca Brasil. Somos um dos países mais premiados do mundo em publicidade e propaganda, tenho certeza de que um coletivo dos principais nomes da comunicação do Brasil se sentiria desafiados a atuarem juntos nesse possível projeto.

Carlos Ferreirinha – MCF Consultoria


LCS: Cada curso, cada seminário seu é um portal de conhecimento, provocação e reflexão. Certa vez você mostrou o potencial do turismo brasileiro para clientes de alto padrão. Que outras áreas o Brasil pode se destacar?


CF: Gentil e generoso de sua parte esse comentário.
Informação liberta, empodera, nos torna capazes de ir além. Tenho isso como mantra na minha vida.
O Brasil poderia ser o destino internacional do Turismo de Saúde. Somos uma referência mundial em alguns hospitais, laboratórios e clínicas no patamar do luxo, da diferenciação em patamar elevado. Nos últimos anos, o Brasil tem sido um dos países mais premiados em design de joias, calçados e mobiliário. Há muito potencial aqui. Na arquitetura, na gastronomia. Somos uma referência mundial em produtos de cama e banho, no luxo. E não há dúvidas, que o turismo de luxo quando se fala de hotéis. Nossa infraestrutura de estradas, vias de acesso, malha aérea, por outro lado, são desesperadores. Mas quando se chega ao local, temos hotéis e pousadas de luxo que estão alinhadas ao nível internacional.
Vejo com mais dificuldade expressão brasileira em moda, perfumaria, cosméticos e vinhos, apesar do forte crescimento nos últimos anos.


LCS: É possível falar em novo luxo? Ou é apenas uma expressão vazia?


CF: Eu considero muito vazia.
Luxo sempre foi o acesso ao raro, ao não disponível para todos, o foco no extraordinário, no singular, no elemento de escassez. Luxo dialoga com o sublime, com o excepcional.
Se analisarmos pela perspectiva da gestão do luxo, a maestria da grande maior parte das marcas é de manterem atualizadas, contemporâneas, alinhadas ao tempo presente. Isso é magistral.
Dito isso, não vejo como “novo luxo”. Entendo como um processo natural de adaptação e alinhamento aos novos tempos, novos mercados e regiões, novos códigos e sem dúvida alguma, aos hábitos e os comportamentos de consumo que se mantém em constante evolução. Surgem novas matérias primas, surgem novos perfis de consumo, gerações etárias com outras demandas. Mas, sempre foi assim na dinâmica de mercado e da sociedade.
Mas e o luxo tempo? Luxo é ter tempo…
Não se vende o “tempo”. Assim, não há aqui um negócio do luxo. E na maior parte das vezes, quando o tempo é usado como “luxo”, a verdade é que se está usando o fundamento da diferenciação do luxo igual a escassez, não disponível. Sensação que temos com o tempo. Tempo escasso.
Não há “luxo mais ou menos”.
Luxo é o patamar máximo da excelência. Ontem, hoje e acredito que no amanhã.

LCS: Você foi o mais jovem alto executivo do Grupo LVMH, dirigindo as operações da Louis Vuitton na América Latina. Qual a principal diferença entre o consumidor da região e o de mercados mais maduros como EUA e Europa?


CF: Educação de consumo. Maturidade de consumo. Apesar do nosso entusiasmo, somos uma economia aberta há apenas 30 anos. Algumas marcas de luxo existem há 200 anos, 180, 100, 258 anos. São gerações e gerações sendo expostas ao luxo. Não na América Latina, não no Brasil. O luxo, nessa região, de certa forma sempre foi para um grupo muito pequeno de consumidores e que viajavam internacionalmente. Temos sempre um desafio muito grande de educar os consumidores sobre as marcas, as histórias. Há ainda o fato de que ao final, temos muito poucas operações de luxo fazendo parte do cotidiano, nem que sejam apenas para serem vistas ou observadas nas vitrines… E quando internacionalmente, nos principais mercados, o volume é bem expressivo. E não apenas no varejo. Temos poucos hotéis internacionais de luxo operando no Brasil, por exemplo. Latinos-hispânicos e, principalmente, os brasileiros demandam muito serviço, amam ser mimados. Relacionamento contínuo com cliente é processo chave nessa nossa região. Na grande maior parte dos mercados principais de luxo no mundo, o hábito faz parte do cotidiano das pessoas. No Brasil, por exemplo, a segurança é um grande obstáculo, tornando muitas vezes o luxo para momentos especiais e não do dia a dia, dependendo da categoria dos produtos. E temos que também considerar que a baixa educação da América Latina como um todo, Brasil, demanda muita “tradução” local.

Já nos EUA, o maior mercado mundial de consumo- somente para o luxo e sim para tudo de maneira geral- os volumes são totalmente diferentes. Temos ainda a ausência do travelling money. Com exceção do México, Panamá e em alguns momentos do passado Buenos Aires, vendemos essencialmente para brasileiros no Brasil, colombianos na Colômbia, peruanos no Peru. O turista será importante na hotelaria e mesmo assim, tirando o México, os demais países latino-americanos e principalmente o Brasil, são muitos ruins em atratividades de turistas com poder aquisitivo elevado.


LCS: Você foi um dos fundadores da ABRAEL – Associação Brasileira das Empresas de Luxo e hoje é um dos diretores. Quais os maiores desafios que a entidade enfrenta no Brasil? Há ligações com o Comité Colbert, Altagamma, Círculo Fortuny e Meisterkreis?


CF: A minha relação com a maior parte dessas associações é resultado de muitos anos; não somente do trabalho da ABRAEL, mas principalmente da MCF Consultoria. Durante a pandemia, tivemos diversos meetings internacionais. Não somente acredito nessa troca, como tenho essas associações como benchmark.
Importante termos em mente, que a maior parte dessas associações representam associados produtores de luxo. Na ABRAEL, a maior parte das associadas, não produzem no Brasil ou América Latina.
É uma associação bem ativa. Em 15 anos posso dizer que praticamente nunca perdemos associados. Já somos quase 70 marcas. Os principais grupos globais, as marcas referências e algumas brasileiras.
O principal desafio sempre foi e continua sendo manter ritmo e trocas com a esfera do Governo Federal na educação do luxo como atividade de mercado pujante.


LCS: Como você vê o mercado brasileiro para os próximos anos? E o mercado mundial?


CF: Ritmo consistente de crescimento mundial. Geração de novos nichos de riqueza, a descentralização do poder econômico tradicional dos EUA e Europa, gerando novos mercados e novas forças econômicas.
Importante que tenhamos clareza que o mundo vive uma crise de modelos econômicos e não de riqueza. As diferenças entre classes são mais severas, mas tem muito mais dinheiro disponível no mundo nos últimos 25 anos do que o dinheiro gerado nos últimos 100 anos.
O espaço para crescimento das marcas de luxo é muito forte. Essa é uma das razões pelas quais não acredito no “novo luxo”.
Algumas marcas de luxo tradicionais, muitas com mais de 150 anos, tiveram os melhores resultados de vendas e crescimento dos últimos anos.
Olhando para mundo, o cenário se apresenta muito positivo.
O Brasil, por tudo que discorri acima em outras perguntas, é um desafio. O mercado brasileiro já deveria ser muito maior há muitos anos, mas a complexidade em geral, o custo oneroso Brasil, a infraestrutura mantém o Brasil como eterno “promissing market”.
A pandemia tem sido muito favorável e positiva para o luxo. Trouxe resultados mundiais em patamares extraordinários. Mesmo no Brasil. Nesse período ao menos, fomos positivamente impactados.

LCS: Seu livro, “O Paladar não Retrocede”, é uma bíblia do setor. Há expectativa de outros livros? Quais projetos você tem para esse ano? 


CF: Novamente você especial nas palavras, no cuidado e na deferência.
“O Paladar não Retrocede” segue surpreendendo. Quase três anos depois de lançado, entrou na lista dos mais vendidos da Amazon, estamos na terceira impressão. Já são quase 15.000 exemplares. Há muito ainda para crescer nesse livro.
Entretanto, ele será nesse ano de 2022, lançado em inglês, francês e português de Portugal, porque trabalho há muitos anos nesse mercado.
E, em celebração aos 21 anos da MCF Consultoria, nesse ano de 2022, um novo livro está quase pronto, focado em relacionamento e atendimento ao cliente. E em 2023, será lançado um livro sobre minhas histórias “não contadas” dos meus bastidores profissionais.

LCS: Além da sustentabilidade e diversidade, o que virou atributo do luxo contemporâneo?


CF: O luxo digital, a digitalização do luxo. A internet das coisas também no luxo.

Contatos Carlos Ferreirinha:

Site: https://www.mcfconsultoria.com.br/

Instagram: @carlosferreirinha

Linkedin: carlosferreirinha

Veja também:

You may also like