Arte & Cultura

Em busca de um repertório

Tão fundamental quanto viver as experiências do presente é se dispor a conhecer as conquistas do passado

Desde que nascemos, aprendemos. Desde que viemos ao mundo, apreendemos conhecimentos diversos. Esse conjunto de experiências vividas e acumuladas formam nosso caráter, nossa personalidade, nossa pessoa, nosso repertório. Cada etapa de nossa existência contribui para o nosso aprendizado.

De todas as maneiras que existem para nosso aprimoramento pessoal, ter discernimento para filtrar o que nos faz crescer talvez seja o mais importante. É extremamente salutar que saibamos discernir sobre tudo o que nos é apresentado. A todo momento somos bombardeados com as mais diversas informações. Nosso aparelho celular, por exemplo, objeto inseparável de nossa geração, possui mais poder e dinamismo que os computadores que levaram o homem à Lua em 1969. Logo, há informação excessiva. Salutar seria se cada minuto de nosso tempo fosse aproveitado com coisas que, de fato, nos acrescentam. Da mesma forma, investir nossos preciosos minutos em pessoas que nos ensinam, com pessoas que nos inspiram, com quem contribuem, de fato, para nosso desenvolvimento pessoal e profissional, torna-se uma decisão sensata.

Cada ser humano detém o incrível poder de absorver e compartilhar conhecimento. Não somente os estudos regulares contribuem para incrementar nosso cabedal de saberes, mas também tudo aquilo que experimentamos: sabores, aromas, músicas, viagens, compõe nossa formação intelectual. Quanto mais qualidade tiverem, maior serão seus benefícios imediatos e posteriores. Mas se tivermos conhecimentos prévios sobre as antigas conquistas do pensamento e das criações humanas, muito melhor.

Tão fundamental quanto viver as experiências do presente é se dispor a conhecer as experiências do passado: orar nas polifonias místicas de Bach, vivenciar-se na imagética de Vermeer, encarar o subjetivismo de Goethe, perder-se nos arroubos de Rodin, sensualizar-se nas curvas de Niemeyer, mergulhar no universo dos dramas filosóficos de Wagner. Para tudo isso, porém, se requer tempo, vontade, determinação, dedicação e investimento pessoal. O resultado será impressionante!

A experiência de visitar o Museu D´Orsay, em Paris, especializado em arte do período impressionista e pós impressionista, só lhe será plena se no seu fone de ouvido estiver tocando Debussy ou Ravel. O pensamento musical em fins do século XIX e início do XX, complementa os sentidos e ampliará seu campo de visão e de compreensão de todas aquelas cores e matizes expostas e tão peculiares. É importante ter em mente que tudo na arte e na vida se conectam. Da mesma forma, compreender plenamente a música de Stravinsky só será possível se soubermos traçar conexões entre sua fascinante obra e as magníficas deformações nos traços e cores de Picasso.

A célebre Semana de Arte Moderna, ocorrida há exatos cem anos no Theatro Municipal de São Paulo, foi o resultado de cabeças pensantes que vislumbravam a necessidade do surgimento de uma arte genuinamente nacional. Contra os academicismos, reuniram-se diversos artistas visionários e, juntos, transformaram uma semana qualquer em dias eternos. A nova literatura traduziu os pensamentos, a pintura e a escultura demonstraram-na e a nova música a consolidou. Uma forma de arte nunca surge sozinha, sempre se conecta com as demais. Ela dialoga com seu meio.

Somos tudo aquilo que absorvemos. Somos aquilo que acumulamos. Somos uma somatória de experiências. E é exatamente isso que todos ao nosso redor notam. E também por causa disso irão nos querer por perto ou não, pois agimos, nos comportamos, nos expressamos de acordo com o nosso repertório, é ele quem norteia nossas ações, nossos relacionamentos pessoais e profissionais. Trata-se de nosso maior bem.  Cuidemos bem dele, afinal somos nosso principal produto.

* Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Les Cinq Sens.

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