Arte & Cultura

Comparações criativas

A história humana se constrói através de sacrifícios, individuais ou coletivos

Cada um de nós tem sua história, sua vida, sua carreira, seu próprio caminho. A trajetória é individual e única, do início ao fim. Viemos ao mundo sozinhos e o deixaremos da mesma forma. A semelhança entre os seres humanos termina aí. Diferenças e constrastes farão parte de nosso cotidiano, desde o bom berço ou na ausência de um.

Uma infância feliz, com boa alimentação, educação de qualidade e admirável convívio social farão a diferença na sociedade adulta. Mas não é tudo. Nada garante que o indivíduo será um ser humano exemplar, culto e bem sucedido. Exemplos não faltam aqui e ali de pessoas que tiveram muito mais que o mínimo necessário e se tornaram grandes ascos humanos, decepções exemplares. Conseguiram o incrível feito de desperdiçar todas as oportunidades que tiveram, jogando no lixo toda o investimento educacional que fizeram nele. De qualquer forma, nossa sociedade dá importância relativa a essas pessoas, vazias por dentro e por fora, que adoram exaltar futilidades e valorizam o efêmero.

Por outro lado, deveríamos aplaudir quem veio do nada e alcançou um patamar intelectual invejável, estabilidade social e um padrão de vida equilibrado. Quantos pesquisadores, cientistas, artistas e criadores de todos os gêneros tiveram infância difícil e conseguiram, por esforço próprio, uma pitada de genialidade e alguma oportunidade, se sobressair numa sociedade extremamente competitiva. Nem sempre, porém, sabemos ou queremos aplaudir este ou aquele, afinal somos egoístas, gostamos de competir e de nos comparar. Reconhecer o sucesso no outro não é para qualquer um.

Conflitos pessoais, profissionais e territoriais existem desde o princípio da história da humanidade e continuarão a existir. Somos fracos, somos imperfeitos, podemos até mudar nossos modos ao longo de uma existência, mas nossa essência é de sobrevivência. O funil é grande e que vença o mais forte! Poucos alcançarão o nirvana.

Peter Shaffer abordou o tema das comparações pessoais quando escreveu a peça Amadeus em 1979. Baseou-se no drama de Alexander Pushkin, que tratava do suposto conflito entre os compositores Antonio Salieri e Wolfgang Amadeus Mozart. Na agitada Viena da segunda metade do século XVIII, quem dominava os meios operísticos eram os compositores de origem italiana, logo, o idioma de Dante dava o tom das produções, que eram aprovadas ou não pelo próprio Imperador. O austríaco Mozart, por sua vez, tentava, sem sucesso, compor óperas em sua língua natal, o alemão, que no fundo era a língua de sua própria pátria. Nada mais óbvio, poderíamos pensar. Porém, não era bem o que a sociedade intelectualizada da época ansiava. A peça, e posteriormente o filme Amadeus de Milos Forman, se aprofundam no imenso ciúme provocado pela incrível e inerente genialidade de Mozart a um Salieri, italiano criativo mas pouco inovador. A obsessão em superar o austríaco chegou ao ponto de nos fazer supor que Mozart acabou tendo sua vida ceifada pela imensa inveja de Salieri.

Possivelmente, o que difere um indivíduo do outro seja sua índole, seu caráter, valores inerentes à condição de cada um de nós. O temperamento de cada um irá determinar seu comportamento. Para os expertos da psicologia, não deveríamos nunca nos compararmos ao vizinho, ao colega, ou àquele parente próximo ou mesmo distante, cada um tem sua própria história e assim que tem que ser. Mas, em muitos casos, a comparação é positiva, pois nos serve de mola propulsora, de estímulo vital ou, em muitos casos, para que tenhamos conta de que, no fundo, nossos problemas pessoais não são problemas verdadeiros, mas meros devaneios egocêntricos.

Voltando à comparação construtiva, ela é, de fato, fundamental para nosso crescimento pessoal e profissional. Temos necessidade de nos inspirarmos em biografias das mais diversas e, quem sabe, munidos de humildade assimilarmos alguns conhecimentos extraídos das dificuldades alheias e nos ajudar ,de uma certa forma, a sermos mais felizes e criativos.

A história humana se constrói através de sacrifícios, individuais ou coletivos. Viver é um constante aprendizado que poderíamos celebrar constantemente. Não apenas quando nos damos bem em algo, mas também deveríamos comemorar o sucesso alheio. Porque, pense bem, quando o outro faz sucesso, é porque conseguiu provar que o caminho é possível, que o esforço valeu a pena. Legitima a nossa coragem de tentar e nos incentiva a seguir adiante, sempre.

* Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Les Cinq Sens.

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