Moda

Alê Farah: o futuro da moda e a moda do futuro

Alexandra Farah começou no jornalismo cobrindo o universo político, com passagem pela editoria de esportes. Ganhou prêmio na Editora Abril confirmando sua vocação midiática. Mas foi em Nova York, cidade onde morou, que ela se apaixonou pela moda e se reinventou. A bem da verdade, essa mineira irrequieta reencontra-se a cada estação em diferentes lugares do planeta acompanhando o espírito do tempo. Conhece, como ninguém, a história da moda, da tecnologia, das artes e da economia, o que lhe possibilitou escrever livros, ser curadora de festivais de cinema e falar do que acontece em jornais, revistas e TV. Mas é no futuro que ela se encontra mais à vontade. Antes da tecnologia se tornar o que a moda foi nos anos 1990, ela já era high tech. Alê dominava essa linguagem comum hoje nas redes sociais, há bastante tempo, o que causava certa estranheza no jornalismo tradicional. Sempre na primeira fila dos desfiles em São Paulo, Rio de Janeiro, Paris, Milão e Nova York, foi pioneira em transmitir os desfiles online. Luzes se apagavam e só havia na SPFW apenas uma luzinha na plateia. Era o laptop de Alexandra.

Não é incomum encontrar jornalistas que antecipam microtendências: cores, formas para as próximas estações. Embora tenha esse talento, Alexandra pensa as macrotendências. O que será da moda, do lifestyle nos próximos cinco, dez, quinze anos?

Veja nossa entrevista em que ela fala de moda, tecnologia, veganismo e felicidade. Alexandra nos dá pistas.

Les Cinq Sens: Você sempre foi uma pioneira, realmente uma visionária na moda e na tecnologia. Como você enxerga a evolução dessa relação tecnologia e moda na produção de roupas, na comunicação e na distribuição?

Alê Farah: Inovar é palavra da nossa geração. Em todas as áreas da economia, inovar é urgente. Pra mim, a melhor definição de inovação é “tecnologia mais sustentabilidade”. É preciso tecnologia para ser mais sustentável social e ambientalmente, para governar e gerenciar. Por meio de novas ferramentas tecnológicas conseguimos diminuir os resíduos ao se fazer, por exemplo, uma peça de roupa, um móvel ou uma casa. Ferramentas de rastreamento de cada etapa do processo de produção, no caso o blockchain, nos traz transparência e, se bem utilizadas, governança mais justa. Qualquer novo produto que chega ao mercado hoje precisa ter esses atributos -tecnologia e sustentabilidade- para ser considerado inovador. De um aplicativo que ajuda o estilista a gastar menos tecido – solucionando questões matemáticas do corte de uma camisa- a um novo couro de cactos mexicanos que chega ao mercado na mesma qualidade do couro de vaca e com a mesma performance; tudo isso é fundamental para construir hoje o mundo da moda de amanhã.

LCS: Em entrevistas, anos atrás, você chegou a dizer que não há mais o que inventar em termos de formas, cortes, proporções. Que grandes novidades viriam na inteligência dos materiais. Você acredita ainda nisso?

AF: A parte invisível da indústria da moda é, hoje, a mais pesada ao planeta. Aquela que mais retira do meio ambiente sem dar nada de volta. Estou falando do solo, onde tudo nasce, onde tudo se processa. O nosso solo está desgastado. A moda piora a situação com plantações gigantes de monocultura do algodão, com o uso extensivo de couro de vaca. A pecuária, sabemos, é a maior devastadora de florestas. Desmata-se para criar o gado, desmata-se para plantar a soja e o milho que o gado vai comer. Temos problemas reais e gigantes para solucionar. Muito em breve, teremos o lançamento oficial da bolsa de cogumelos da Hermès -feita com micelium, a “raiz” do cogumelo. O mercado inteiro já entendeu que inovar em matéria prima é o que há de mais fundamental, moderno e correto a se fazer. Centenas de start ups pelo mundo todo estão buscando novas fontes de materiais para tecidos, couros, tinturas. Tudo isso é feito para proteger e desgastar menos o solo – e, consequentemente, o ar, os rios e o mar.  Vou deixar aqui uma sugestão de um filme que está no Netflix e que fala sobre a importância do solo. Tenho certeza que muitos CEOs e investidores assistiram esse filme. É “Solo Fértil” e nele cientistas e – celebridades engajadas- revelam como o solo da Terra pode ser fundamental para o combate às mudanças climáticas e a preservação do planeta.

LCS: Qual o futuro da moda?

AF: Estamos todos atrás desta resposta. O futuro vai depender do que a gente constrói hoje. Existe uma vontade da elite cultural e intelectual mundial, independente da sua posição financeira, de comprar menos, e quando o consumo é inevitável, optar pela compra de produtos “verdes”. Se levarmos em consideração que 85% dos investidores preferem hoje investir em empresas ESG, eu diria que o futuro da moda é ser uma indústria mais limpa, sustentável e mais justa socialmente. Ou seja, uma moda linda, do direito e do avesso

LCS: Nos anos 1990 e 2000 muitos jovens queriam ser estilistas, depois fotógrafos e modelos.  O Brasil apontava como possível liderança, sobretudo em jeans e beachwear. A moda estava na moda. O SPFW era um evento internacionalmente reconhecido. As apostas não se concretizaram quanto a relevância do país na moda internacional. O que deu errado?

AF: A moda saiu de moda no mundo inteiro. Não é uma questão apenas local, nacional.

LCS: Apesar do interesse, grandes grupos internacionais de luxo pesquisaram, mas não investiram em nenhuma marca brasileira, nem na moda, nem nas bebidas ou cosméticos. Exceto o Kering com as óticas Carol, pensando na distribuição. Onde as marcas brasileiras precisam mudar?

AF: Na produção e não no volume. O Brasil perde para Bangladesh, China e Paquistão. Oferecer mão de obra barata, volume grande e preços baixos não é nossa praia. As marcas brasileiras precisam dar um show de sustentabilidade e tecnologia. Se formos inovadores, o dinheiro (verde) vem. Pra inovar, temos que pesquisar, estudar, praticar.

LCS: Você se tornou vegana. Tal movimento mostra que veio para ficar. Como você enxerga a consciência ambiental no universo do luxo?

AF: A humanidade tem hoje um estoque vivo de alimentos que chega a 100 bilhões de vacas, bois, galinhas, porcos, peixes. Em outras palavras, 100 bilhões de bichos são mortos todo ano! Esta população invisível é 120 vezes maior que a população de pessoas. Somos “apenas” 7 bilhões. Nós, humanos, nos achamos muito inteligentes e espertos, mas, de verdade, quem domina o mundo hoje são os bichos criados para serem comidos. 100 bilhões de animais equivalem a 50 Chinas, é muito bicho! Eles consomem muitos recursos da Natureza, eles são pesados, eles comem muito, emitem gases que vão para a atmosfera, eles pisoteiam e deterioram o solo…  A conta que pagamos é alta demais. E ela simplesmente não fecha. Veja, nem todo vegano é ambientalista. Mas o contrário deveria ser verdadeiro. Na minha pesquisa sobre moda e sustentabilidade, tenho acesso a muita informação. Simplesmente comer carne não se alinhava às minhas crenças. Ninguém em sã consciência precisa comer carne hoje para ser saudável. Ao contrário, inúmeros problemas de saúde surgem com excesso de proteína animal. A indústria alimentícia criou esse mito de que seres humanos precisam comer carne. É argumento do capitalismo, não é verdade, mas a boiada acredita (risos).

LCS: Dá para ser sustentável na moda?

AF: Já foi mais difícil, e ainda não é fácil… Mas é possível ser menos impactante. Dá, sim, para sujar menos o planeta e sermos mais justos e mais transparentes com os skateholders.

LCS: Como você enxerga a moda circular?

AF: Os três “Rs” – reduzir, reutilizar e reciclar – deveriam fazer parte da nova cartilha de bons modos. Eles são fundamentais para viver em comunidade. A moda circular, os brechós, o reaproveitamento de sobras e transformação de roupas antigas em novas são essenciais e já estão em andamento. Mas há um limite. Nem tudo se recicla, nem tudo se transforma. E, além do mais, a moda é a indústria mais novidadeira entre todas. Então, torço para que a circularidade avance e avance rápido. Mas nunca deixaremos de produzir bens duráveis com matéria prima virgem, repito, nunca.

LCS: E as iniciativas de locação de roupas de alta costura, como fez recentemente Jean-Paul Gaultier?

AF: Fazem parte do segundo “R”, reutilizar. Mais e mais grifes devem seguir este caminho. É um caminho sem volta. Ou melhor, que sempre vai e volta, vai e volta… e todo mundo fica feliz.

LCS: Quais seus projetos pro futuro?

AF: Continuar compartilhando as minhas pesquisas com todos que se interessarem. Faço isto através de palestras e aulas, online e presenciais, e também por meio de minhas redes sociais, como o instagram @alefarah. Quero continuar morando em Caxambu, em Minas Gerais, para onde me mudei um mês antes do lockdown e ter um dia a dia mais perto da família e da natureza. Vou voltar a viajar para pesquisar novos materiais e tecidos. Recentemente, lancei minha terceira bolsa de couro vegetal – era feita de cactos produzido pela startup mexicana @dessertopele – em parceria com a Carol Bassi. Vendemos tudo. As pessoas gostam muito de inovação, principalmente se o produto for belo e útil!  A minha primeira bolsa foi feita de couro de folha de abacaxi da empresa @pinatex e, fez tanto sucesso, que esgotou em 10 minutos no Instagram! Isso foi em 2019. A segunda, logo depois, era de um material barato, reciclado, que se chama papel-couro (resistente à água, é uma mistura de vários resíduos, madeira compensada). Era linda. Também esgotou rapidamente. E mais do que tudo isso, quero me manter saudável e feliz. Nada é menos sustentável do que um ser humano doente. Nada. Então, saúde física e mental sempre tem que vir em primeiro lugar!

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