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Marketing do luxo: entrevista com Rosana de Moraes

Conversar com Rosana de Moraes é reconfortante. Primeiramente por conta de sua visão otimista e madura do mercado de luxo no Brasil. Com lucidez, ela nos lembra que não é possível apenas falar de marcas internacionais quando tratamos do mercado de alto padrão brasileiro. Marcas como H.Stern são internacionalmente reconhecidas pela excelência no design e na confecção de joias e nossa hotelaria, muito autêntica, têm algo a dizer para o mundo. Mas é preciso cautela, paciência e um longo caminho ainda a percorrer.

O que torna uma conversa com Rosana tão especial, no entanto, é sua experiência profissional com marcas de prestígio e também uma visão de mercado construída através de uma sólida trajetória acadêmica.

Sim, os últimos anos, não apenas no Brasil, deram projeção a falsos profetas. Muito por conta das redes sociais. Gente mal intencionada ou mal preparada – geralmente mal intencionada e mal preparada- que se intitulou especialista no assunto, confundindo empresas e consumidores. Da astrologia à gastronomia, passando pelo mercado de luxo.

No mercado de alto valor agregado, surgiram experts que nunca trabalharam com marcas desse universo e tampouco estudaram o assunto. Não basta gostar ou ser consumidor de um produto de luxo. É preciso entender os mecanismos que fazem o segmento trabalhar perfeitamente como um relógio Patek Philippe. Experiência e estudo. Sem falar de produção acadêmica consistente e não uma colagem mal feita de clichês.

Com Rosana, é diferente. Ela é autora do livro O Marketing e a Arte do Luxo na Era da Experiência – E Inspirações para Outros Segmentos, publicada pela editora da FGV. Doutoranda em Comunicação Estratégica, Mestre em Marketing e publicitária, com especializações em Marketing, em Varejo e Serviços e em Luxury Products Management. É professora de pós graduação nas mais reputadas universidades brasileiras, diretora da RM Lux Consultoria e Conhecimento e soma mais de 25 anos à frente das áreas de comunicação e marketing de marcas como Sauer Joalheiros e dos relógios Dior, Hermès, Ulysses Nardin, Breguet, Revue Thommen, Vulcain e Concord em suas operações no Brasil. É também consultora e palestrante para instituições como L’Oréal de Luxe, Kérastase, Wella, Belmond e Palácio Tangará e colaboradora eventual dos principais sites voltados ao marketing, no Brasil e em Portugal.

Nessa entrevista, ela traz sua visão do mercado de luxo no Brasil e no mundo. E mostra como empreendedores brasileiros com muito estudo, trabalho, paciência, dedicação e paixão pela excelência podem se tornar, no futuro e a longo prazo, vozes nesse segmento.

Como você vê o mercado de luxo hoje no Brasil e no mundo?
O universo do luxo passa por profundas mudanças, fruto natural das novas visões de mundo que vimos emergir nos últimos anos. A sociedade se mostra mais sensível a novos valores e propósitos e isso se reflete no consumo, que é uma forma de expressão e também retrata os movimentos sociais. Nesse cenário, destacam-se questões como a atenção à responsabilidade social e ambiental, a valorização do tempo e da saúde mental, a busca por equidade de gêneros, de raças, de tipos físicos, de idade, entre outros. As marcas de luxo têm buscado a adequação a esses novos consumidores, especialmente os mais jovens, o que se reflete na adoção de insumos e formas de produção mais sustentáveis, de formas de atuação que impactem mais positivamente nas comunidades em que estão inseridas, na maior inclusão do ser humano de forma plural. Vejo como positivas essas mudanças, sejam elas reativas às demandas do mercado, seja como fruto das convicções dos próprios executivos e criadores. E, como o luxo é um tradicional criador de tendências para os demais segmentos, penso que é também sua responsabilidade ser o motor inicial para esse movimento positivo.


O Brasil tem forte potencial de consumo, mas grandes barreiras para produzir bens de alto valor agregado. Prova disso é o número grande de marcas internacionais que fecharam suas operações aqui. Como resolver isso?
Para as marcas internacionais, há ainda o problema dos preços, que são menos atrativos, nas boutiques daqui; consequência, em grande medida, das altas cargas tributárias. Algumas marcas têm ajustado suas margens para minimizar esse problema. Porém, nosso mercado apresenta vantagens que alguns consumidores consideram atraentes como o parcelamento das compras, o atendimento mais cuidadoso, a facilidade de assistência, caso ela seja necessária. Porém, devemos lembrar que nem só de marcas internacionais vive o luxo brasileiro, embora seja delas que nos lembremos em primeiro lugar.
O país é relativamente jovem no que podemos chamar de cultura do luxo, mas percebe-se um movimento considerável de criação de novas marcas “verdes e amarelas” com potencial para se consolidarem no mercado de luxo.
Seu sucesso depende de consistência estratégica ao longo do tempo, do investimento em formação e treinamento de equipes de produção e atendimento e também em criatividade e valorização de nossas riquezas. Em tempos de globalização, nos quais encontra-se o mesmo produto no mundo todo, a diferenciação regional em termos de estilo, técnicas e estética, pode ser um grande trunfo. A brasilidade de luxo tem muito potencial!


Onde o Brasil pode se sobressair quando se fala de mercado de luxo?
Em primeiro lugar, é importante mencionar nossa joalheria, incluindo a alta joalheria, que pode ser considerada um orgulho nacional, com padrão internacional e longa tradição. Apesar de sermos um mercado jovem para o luxo, como mencionei, temos joalheiros com mais de 70 anos de atividade. É o caso de H. Stern e Sauer, por exemplo. Além disso, há marcas mais jovens, mas que já somam décadas de estrada e outras bem iniciantes, que têm ótimo potencial.
Também a hotelaria tem nomes tradição mais que centenária, como o grupo Fasano e o Copacabana Palace, esse último hoje nas mãos do Grupo LVMH, o maior conglomerado de luxo do mundo. Outros empreendimentos têm atraído o interesse de grupos estrangeiros. Para o futuro, aposto especialmente na hotelaria voltada às nossas riquezas naturais – plurais e únicas no mundo.
Na gastronomia, temos com chefs premiados internacionalmente, a maioria deles enaltecendo sabores e ingredientes bem brasileiros, o que vai ao encontro do que mencionei anteriormente aqui como “brasilidade de luxo”. Ainda nesse quesito, destaco a cachaça, que hoje tem denominação de origem controlada (somente o Brasil pode ter produtos com esse nome). Há cachaças definitivamente de luxo, desejadas e valorizadas pelo mundo a fora. Embora não tenhamos tradição na área de vinhos, já temos alguns rótulos ganhando destaque, trata-se de um caminho a percorrer, assim como o dos azeites, dos quais algumas marcas têm obtido resultados importantes.
No vestuário, temos especial vocação para a moda mais resort, casual, mas já há marcas brasileiras fazendo bonito com modelos sofisticados, flertando com a alta costura. Também aqui, penso que a aposta deve ser na criatividade, no artesanato e nas regionalidades.
Volto a lembrar que negócios de luxo são projetos de longo prazo. Como temos pequena tradição nesse mercado, é necessário pensar nossas marcas de alto padrão sob essa perspectiva temporal, enxergar seu potencial futuro.

Hoje há um paradoxo: exclusividade e inclusividade no luxo, como resolver?
A ideia primeira do luxo é representar o que não é corriqueiro, algo fora do normal, da rotina, algo especial. Se determinado item passa a ser banal, ele deixa de ser um luxo. Isso independe de você poder ou não adquiri-lo, permeia o conceito de luxo para qualquer classe social.
O que ocorre é que os consumidores, falando de forma geral, têm valorizado de forma crescente itens que se mostrem especiais de alguma forma e se propõem a pagar mais por eles, em busca de realização, de status, de prazer ou seja o que os motiva. Então, as marcas vêm buscando atender a uma gama mais abrangente de orçamentos. Um chaveiro Louis Vuitton será sempre mais caro que a média dos demais chaveiros oferecidos no mercado, porque representa mais que um simples chaveiro. Mas ele está ao alcance de pessoas que amam a marca por tudo que ela representa, mas que talvez não possam adquirir os principais produtos da marca. O mesmo acontece com perfumes e cosméticos de grandes marcas, entre outros itens. Oferecer itens mais acessíveis que carreguem o DNA da marca não a banaliza. Mas, mesmo para esses itens, é necessário privilegiar as séries imitadas, pois a sensação de exclusividade não reside somente no preço dos produtos, mas também em sua raridade.
A personalização também é uma forma de garantir certa exclusividade. Se tenho um item que outros têm, mas no meu encontro as iniciais de meu nome, por exemplo, ele torna-se único para mim.
De qualquer forma, as marcas têm desenvolvido também itens extra exclusivos (e de preços extra elevados), para preservar a desejabilidade frente àqueles que desejam maior diferenciação e exclusividade, e podem pagar por eles.
É um engano pensar que o luxo é destinado apenas aos ultra ricos. Cada classe social, de forma proporcional, tem seus luxos.


Quais as principais tendências no marketing de bens e serviços de luxo?
Sem dúvida, a digitalização tem ditado as tendências no marketing para o luxo, mas já está consolidada. Ela atinge a venda, o relacionamento, os meios de pagamento, a comunicação e, com os NFTs, também os produtos. Os canais digitais serão os principais para venda de itens de luxo até o final da década, suplantando até as boutiques com seu atendimento tão personalizado e a comunicação torna-se, também cada vez mais digital. O desafio maior que as marcas buscam superar agora é trazer mais humanização para as relações digitais num universo em que as pessoas, o relacionamento, sempre foi fundamental.
Nesse sentido, vemos avatares cada vez mais próximos a pessoas reais cuidando da aproximação com os diversos públicos das marcas, como Livi, a embaixadora virtual da Louis Vuitton, como o avatar de Olivier Rousteing, diretor criativo na Balmain, que recepciona os visitantes do site da maison, como os canais que oferecem imagem e atendimento remoto em tempo real por consultores de venda de verdade.
Um ponto sensível para as compras digitais é a entrega padronizada de empresas de Correios ou outras empresas de entrega, que muitas vezes quebra o encanto de uma compra tão especial. Para conservar o clima de sonho nesse momento, já há serviços “White Glove Delivery”, que envolvem profissionais super treinados, vestindo dress codes elegantes e que não apenas efetuam a entrega com pontualidade britânica e em alto estilo e segurança, mas, quando é o caso, se encarregam de desembalar, instalar, orientar sobre o uso dos produtos e até descartar embalagens inconvenientes.
Definitivamente, a humanização é a palavra da vez no marketing do luxo.


Que marcas hoje apontam o futuro desse segmento?
O futuro é daquelas que souberem se adaptar aos novos tempos. As mais sustentáveis, mais transparentes, mais criativas e mais humanas.


Você é professora nessa área. Qual o perfil dos alunos? O que esperam?
Tenho empresários e profissionais que atuam no mercado de luxo e buscam ferramentas e repertório para se aprimorarem em suas carreiras. Outros, pretendem abrir seus próprios negócios na área. E outros, ainda, desejam levar para seus negócios de outros segmentos os conhecimentos, a essência do luxo, para se diferenciarem de seus concorrentes através da excelência. E há também estudantes, buscando especialização no marketing voltado a marcas de alto padrão.
Como consultora e formadora de equipes, meus clientes são empresas dos mais variados segmentos de produtos e serviços de alto padrão, como imobiliário, moda, joalheria, cosméticos, hotelaria. Para elas, desenvolvo direcionamentos estratégicos de marketing e também levo às equipes de atendimento e vendas o repertório do universo do luxo, já que eles lidam com clientes extremamente exigentes.


Seu livro é uma bíblia nesse setor. Onde se pode ter acesso a outras produções intelectuais suas?
Muito obrigada por considerar meu livro assim. Na verdade, ele é o resultado de muitos anos de vivência no setor, mas também de aprofundamento teórico, que considero fundamental. O luxo é um tema muito lúdico, então muitos enxergam a aura de sonho que ele envolve, mas ignoram os bastidores complexos da estratégia e da operação das marcas. Considero importante deixar claro que o luxo que o consumidor recebe é resultado de muito trabalho e conhecimento também.
Sobre outros conteúdos, tenho um blog, onde disponibilizo textos sobre o mercado e tendências no setor, costumo utilizar minhas redes sociais para apresentar novidades relevantes e, quando o tempo permite, colaboro com veículos voltados ao marketing, no Brasil e em Portugal. Tenho também um curso completo sobre o assunto (Marketing para o Luxo Contemporâneo), o único em língua portuguesa totalmente EAD, que possibilita ao aluno administrar seu próprio tempo, além de incluir aqueles que buscam esses conhecimentos e residem em locais onde não há qualquer oferta sobre o tema.
Penso que o conhecimento envolve teoria e prática. Um alimenta o outro. Por isso, sempre busquei aliar minha vida no ambiente corporativo ao aprofundamento conceitual. E o conhecimento é uma via de mão dupla: quanto mais se ensina, mais se aprende. Pretendo seguir aprendendo e ensinando, por isso estou cursando meu doutorado, que deve render em breve novos artigos científicos sobre o assunto.

Instagran: @rm.lux e @rosanademoraes
LinkedIn: Rosana de Moraes

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